Após um longo período sem publicar nada nesse espaço devido a vários compromissos principalmente com o término da minha faculdade onde estou me graduando em História, vou aqui postar esse depoimento sobre as "Vendas e seus Vendeiros" que o Professor Edson Osni Ramos (Cebola) me deu para que eu usasse no meu TCC que teve o seguinte titulo: Vendas e Vendeiros: um estudo sobre o pequeno comércio de Florianópolis período 1960-80.
Achei o texto bem adequado para ser publicado nesse espaço que tem por finalidade falar sobre os pequenos comércios.
Um Abraço a todos.
Paulo Coelho
Vendas
Edson Osni
Ramos, membro da Academia São José de Letras.
Ontem, quinta feira da
semana da páscoa, estávamos vindo para Rancho Queimado quando passamos em um
supermercado, para as compras de última hora: mais uma caixa de cerveja, claro,
que “leite de cabra” sempre é necessário, material de limpeza, mais um pouco de
carvão, pão e outras coisas mais.
Tudo que pretendíamos comprar tinha à nossa disposição, e pudemos escolher os produtos e colocá-los no carrinho.
Tudo que pretendíamos comprar tinha à nossa disposição, e pudemos escolher os produtos e colocá-los no carrinho.
Depois, enquanto
subíamos a serra, em meio a uma noite de lua belíssima e àquele ambiente de
tranquilidade que a gente só encontra quando se está em meio às pessoas que
amamos, que nos guiava tal qual a Estrela de David guiou os reis magos em
tempos imemoriais, fiquei pensando: “Meu Deus, como era na época em que meus
pais eram jovens?”
Claro que não existiam
os supermercados, os conglomerados de atendimento ao público de hoje. Para
abastecer as populações, dependia-se dos chamados “armazéns de secos e
molhados”, que existiam apenas nas grandes cidades. E, no interiorzão, das
“vendas” (os nomes variavam: vendas, bolichos, botecos, etc. - Para nós, no
litoral de Santa Catarina, eram “vendas” mesmo).
Lembro-me da Ponta de
Baixo, em São José, SC, da minha infância.O mundo da pequena comunidade, cheia
de olarias de louças de barro e de pescadores artesanais, girava em volta da
“venda”. Na realidade, sempre havia mais de uma, mas uma sempre monopolizava as
atenções e a clientela. E isso não era apenas em nossa comunidade, era comum em
todas as comunidades da época.
Na venda comprava-se o
arroz e o feijão, o leite em pó e o café, a farinha de trigo e a de mandioca. O
sal e o açúcar. O pão e a felicidade. Pelo menos, assim achávamos!
Na venda ouvíamos as
últimas notícias, as novidades, as coisas que estavam ocorrendo no mundo. Na
venda sempre havia um aparelho de rádio, que não tinha em todas as casas.
Depois, o receptor de TV, uma novidade absoluta na região.
O dono da venda era o
senhor acima do bem e do mal, pois as pessoas dependiam de sua benevolência.
Comprava-se na “caderneta”, ou seja, a crediário. Nela se anotavam as compras
todas, que eram pagas semanalmente, ou mensalmente, dependendo da situação do
cliente e/ou do proprietário da “venda”.
A coisa mais nociva que poderia acontecer com uma família da região era ficar “de mal” com o dono da venda.
A coisa mais nociva que poderia acontecer com uma família da região era ficar “de mal” com o dono da venda.
Lembro-me dos
proprietários da venda de nossa comunidade. Da senhora, lembro com carinho, do
senhor, não. Achava-o (e ainda acho, embora ele já tenha se ido há muito) um
ser arrogante, que se achava superior aos demais. Que tratava mal àqueles dos
quais dependia, pois se os clientes migrassem para outro estabelecimento, ele
conheceria a ruína, como de fato ocorreu tempos depois.
Mas, dependíamos da venda, dos produtos que ali se encontrassem. E se alguém quisesse algo que não tinha à venda, era tachado de “bobo”, de alguém que queria “aparecer”, desejando algo diferente daquilo que “todos” compravam.
Mas, dependíamos da venda, dos produtos que ali se encontrassem. E se alguém quisesse algo que não tinha à venda, era tachado de “bobo”, de alguém que queria “aparecer”, desejando algo diferente daquilo que “todos” compravam.
Lembro que a venda era
o lugar dos “encontros sociais” dos homens da comunidade. Todos os dias, após
faina diária e a chegada em casa, nem sempre amistosa com a esposa e os
familiares, o homem da casa jantava e, depois, ia para a“venda”, para “jogar
sinuca”, “dominó” ou similar e ficar conversando com os demais. Invariavelmente
acompanhado de um “copo de cana”, ou seja, de cachaça (aguardente) que era para
“esquentar” ou “refrigerar”, dependendo do clima na ocasião. Somente depois
voltavam para casa, para dormir. Já então, muitas vezes, sob efeito de “algo a
mais” que fazia com que ficassem mais ou menos tempestuosos em relação aos
familiares.
E se não fossem para a
venda, fatalmente seriam tachados de “mandados pela mulher”, algo considerado
de significado ruim, em relação à maneira de viver da ocasião.
É assim que me lembro
das vendas de minha infância, de ambientes necessários à nossa comunidade, mas
também de ambientes dirigidos por pessoas que nem sempre
eram positivas em relação às pessoas que ali conviviam.
Mas, sejamos coerentes,
se não fossem as “vendas” e aos empreendedores que as criavam, as pequenas comunidades
de nossa região não teriam condições alguma de sobrevivência, pois estavam
completamente órfãos do poder público, sujeitas às próprias carências e
dificuldades.
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