14 de fevereiro de 2021

 


MESSIÂNICOS & BANDOLEIROS IDENTIDADE, MEMÓRIA E APROPRIAÇÃO DA TERRA

Ontem dia 15 de novembro de 2020, terminei de ler o meu 16º livro do ano e como fiz nos demais livros que eu li vou apresentar um breve comentário sobre o mesmo.

O livro em questão é  Messiânicos & Bandoleiros Identidade, memória e apropriação da terra em um grupo remanescente do Contestado, do Sociólogo Pedro Martins editado pela Brazil Publishing, 2020.

Quando em março de 1996 eu fui ao lançamento do livro Anjos de Cara Suja do mesmo escritor, livro esse que a partir de um projeto de Mestrado em Antropologia Social narra a Saga de um grupo de Cafuzos remanescentes da Guerra do Contestado 1912-1916 não imaginava e também não me dei conta na época que em alguns momentos o livro narra parte da história de vida do escritor e da minha história também. Ambos somos migrantes filhos de agricultores que ao sair de Vidal Ramos SC que vieram para a capital do estado em busca de melhores condições de vida para seus filhos que não eram poucos.

O livro Messiânicos e Bandoleiros, nos traz a história desse grupo mesmo com alguns ingredientes a mais fruto de diversas pesquisas e visitas (incluindo moradia junto ao grupo em questão) realizadas em função de outra titulação agora de Doutorado.

Os Cafuzos que hoje estão assentados em um reserva em José Boiteux, alto vale do Itajaí no estado de Santa Catarina portanto no sul do Brasil, remanescentes da Guerra do Contestado que ocorreu entre 1912 e 1916 na divisa de Santa Catarina com o estado do Paraná, uma guerra muito violenta e totalmente desproporcional em relação ao aparato empregado pelas tropas federais, grandes empresários e mercenários contratados por uma grande empresa norte americana contra um grupo de Caboclos maltrapilhos e famintos que somente queriam garantir um pedacinho de terra para poderem plantar e criar os seus filhos.

Quando do fim da guerra muito dos Caboclos se esconderam no mato a fim de preservar as suas vidas e de seus filhos e com isso foram caçados e quando encontrados, eram assassinados como se bicho fossem.  Parte desses Caboclos sobreviveram a fome e ao extermínio, aos poucos foram se agrupando e resolvem fazer a primeira migração levando consigo basicamente a roupa do corpo e um ou outro utensílio de uso pessoal como facão, espingardas ou equipamento de uso agrícola.

Atravessando o Planalto Norte chegam em Alto Faxinal no munícipio de Ibirama no vale do Itajaí. Ficam por aproximadamente quarenta anos nesse local até que são obrigados a deixar o local devido a um projeto de Colonização que o governo de Santa Catarina fez com uma empresa colonizadora chamada Hanseática e com isso a comunidade inteira foi deslocada para o interior do Posto Indígena (PI) localizado em Ibirama SC levando a um segundo deslocamento.

Ao serem deslocados par ao interior da Reserva Indígena os mesmos Cafuzos são obrigados a servir de mão de obra compulsória para os administradores da reserva e também para os indígenas ou seja, praticamente escravos do século XX.  Essa condição se manteve por aproximadamente mais quarenta anos e o sonho da terra própria nessa altura já está próximo a oitenta anos desde a Guerra do Contestado.

Com o projeto do Pedro Martins lá na metade da década de 1980, foi dado continuação ao sonho da tão esperada “terrinha” para poder chamar de sua e criar os seus filhos. Foi feito um projeto de assentamento com a finalidade de terra uma reserva própria em virtude de suas características etnográficas e seu modo de vida próprio, o que não estava muito compatível dentro da Reserva Indígena. Muitas viagens aos órgãos federais e estaduais em Florianópolis e também até em Brasília foram realizadas para apresentar o projeto e a entrega de documentos e levantamentos etnográficos sobre esse grupo específico do sul do Brasil visando a criação de uma reserva própria.

Mais adiante Pedro teve grande auxílio em seus estudos da sua companheira que também é socióloga Tânia Welter (minha grande amiga) que também passou a estudar esse grupo obtendo informações valiosas entre as mulheres que normalmente não seriam contadas o sociólogo e vice versa.

No início da década de 1990 a tão sonhada terra passa a ter dono e um terceiro deslocamento é realizado no Alto do Rio Laeiscz no município de José Boiteux. Hoje em 2020 a comunidade já está com um número reduzido de habitantes mas ainda produzindo para sua subsistência e venda de algum excedente tem escola em seus domínios até as séries primárias e depois as crianças complementam seus estudos na sede do município.

Uma das conquistas desse grupo quando da posse da terra foi de que ela é indivisível ou seja não tem titulação para cada um dos membros e sem a titulação de uso coletivo para evitar que as futuras gerações tenham que refazer os caminhos dos seus ancestrais em busca da terra. Modo esse que sempre foi aprovado pelos mais velhos que chegaram a passar pelas dificuldades e deslocamentos forçados. Claro que alguns principalmente os mais jovens tinham interesse de que a titulação ou posse fosse de forma individualizada.

Conforme falei lá no início desse pequeno comentário de um grande projeto que aqui não é o ambiente adequado para textos muito grandes (que já acabei me excedendo) digo que me senti em parte dentro da história desse grupo pois quando o Pedro e a Tânia falam sobre modos de vida  dos Cafuzos seus hábitos de comida e costumes ligados a negócios e trocas, vejo a minha mãe falando em Bolo de Boleira para o que os de origem alemã chamam de Wafle, vejo também o meu pai contando os causos de criação de porcos e galinha para trocar por outros produtos.

Vou ficar por aqui com a promessa de trazer outros assuntos e histórias relacionadas a esse grupo que são contadas, nos dois livros que falei e também a Dissertação de Mestrado e a Tese de Doutorado da Tânia para fragmentar mais esse assunto.

Grande abraço à todos.

Florianópolis, 16 de novembro de 2020. Paulo Coelho

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