MESSIÂNICOS & BANDOLEIROS
IDENTIDADE, MEMÓRIA E APROPRIAÇÃO DA TERRA
Ontem dia 15 de novembro de 2020,
terminei de ler o meu 16º livro do ano e como fiz nos demais livros que eu li
vou apresentar um breve comentário sobre o mesmo.
O livro em questão é Messiânicos & Bandoleiros Identidade,
memória e apropriação da terra em um grupo remanescente do Contestado, do
Sociólogo Pedro Martins editado pela Brazil Publishing, 2020.
Quando em março de 1996 eu fui ao
lançamento do livro Anjos de Cara Suja do mesmo escritor, livro esse que a
partir de um projeto de Mestrado em Antropologia Social narra a Saga de um
grupo de Cafuzos remanescentes da Guerra do Contestado 1912-1916 não imaginava
e também não me dei conta na época que em alguns momentos o livro narra parte
da história de vida do escritor e da minha história também. Ambos somos
migrantes filhos de agricultores que ao sair de Vidal Ramos SC que vieram para
a capital do estado em busca de melhores condições de vida para seus filhos que
não eram poucos.
O livro Messiânicos e Bandoleiros,
nos traz a história desse grupo mesmo com alguns ingredientes a mais fruto de
diversas pesquisas e visitas (incluindo moradia junto ao grupo em questão)
realizadas em função de outra titulação agora de Doutorado.
Os Cafuzos que hoje estão
assentados em um reserva em José Boiteux, alto vale do Itajaí no estado de
Santa Catarina portanto no sul do Brasil, remanescentes da Guerra do Contestado
que ocorreu entre 1912 e 1916 na divisa de Santa Catarina com o estado do
Paraná, uma guerra muito violenta e totalmente desproporcional em relação ao
aparato empregado pelas tropas federais, grandes empresários e mercenários
contratados por uma grande empresa norte americana contra um grupo de Caboclos
maltrapilhos e famintos que somente queriam garantir um pedacinho de terra para
poderem plantar e criar os seus filhos.
Quando do fim da guerra muito dos
Caboclos se esconderam no mato a fim de preservar as suas vidas e de seus
filhos e com isso foram caçados e quando encontrados, eram assassinados como se
bicho fossem. Parte desses Caboclos
sobreviveram a fome e ao extermínio, aos poucos foram se agrupando e resolvem
fazer a primeira migração levando consigo basicamente a roupa do corpo e um ou
outro utensílio de uso pessoal como facão, espingardas ou equipamento de uso
agrícola.
Atravessando o Planalto Norte
chegam em Alto Faxinal no munícipio de Ibirama no vale do Itajaí. Ficam por
aproximadamente quarenta anos nesse local até que são obrigados a deixar o
local devido a um projeto de Colonização que o governo de Santa Catarina fez
com uma empresa colonizadora chamada Hanseática e com isso a comunidade inteira
foi deslocada para o interior do Posto Indígena (PI) localizado em Ibirama SC
levando a um segundo deslocamento.
Ao serem deslocados par ao
interior da Reserva Indígena os mesmos Cafuzos são obrigados a servir de mão de
obra compulsória para os administradores da reserva e também para os indígenas
ou seja, praticamente escravos do século XX.
Essa condição se manteve por aproximadamente mais quarenta anos e o sonho
da terra própria nessa altura já está próximo a oitenta anos desde a Guerra do
Contestado.
Com o projeto do Pedro Martins lá
na metade da década de 1980, foi dado continuação ao sonho da tão esperada
“terrinha” para poder chamar de sua e criar os seus filhos. Foi feito um
projeto de assentamento com a finalidade de terra uma reserva própria em
virtude de suas características etnográficas e seu modo de vida próprio, o que
não estava muito compatível dentro da Reserva Indígena. Muitas viagens aos
órgãos federais e estaduais em Florianópolis e também até em Brasília foram
realizadas para apresentar o projeto e a entrega de documentos e levantamentos
etnográficos sobre esse grupo específico do sul do Brasil visando a criação de
uma reserva própria.
Mais adiante Pedro teve grande
auxílio em seus estudos da sua companheira que também é socióloga Tânia Welter
(minha grande amiga) que também passou a estudar esse grupo obtendo informações
valiosas entre as mulheres que normalmente não seriam contadas o sociólogo e
vice versa.
No início da década de 1990 a tão
sonhada terra passa a ter dono e um terceiro deslocamento é realizado no Alto
do Rio Laeiscz no município de José Boiteux. Hoje em 2020 a comunidade já está
com um número reduzido de habitantes mas ainda produzindo para sua subsistência
e venda de algum excedente tem escola em seus domínios até as séries primárias
e depois as crianças complementam seus estudos na sede do município.
Uma das conquistas desse grupo
quando da posse da terra foi de que ela é indivisível ou seja não tem titulação
para cada um dos membros e sem a titulação de uso coletivo para evitar que as
futuras gerações tenham que refazer os caminhos dos seus ancestrais em busca da
terra. Modo esse que sempre foi aprovado pelos mais velhos que chegaram a
passar pelas dificuldades e deslocamentos forçados. Claro que alguns
principalmente os mais jovens tinham interesse de que a titulação ou posse
fosse de forma individualizada.
Conforme falei lá no início desse
pequeno comentário de um grande projeto que aqui não é o ambiente adequado para
textos muito grandes (que já acabei me excedendo) digo que me senti em parte
dentro da história desse grupo pois quando o Pedro e a Tânia falam sobre modos
de vida dos Cafuzos seus hábitos de
comida e costumes ligados a negócios e trocas, vejo a minha mãe falando em Bolo
de Boleira para o que os de origem alemã chamam de Wafle, vejo também o meu pai
contando os causos de criação de porcos e galinha para trocar por outros
produtos.
Vou ficar por aqui com a promessa
de trazer outros assuntos e histórias relacionadas a esse grupo que são
contadas, nos dois livros que falei e também a Dissertação de Mestrado e a Tese
de Doutorado da Tânia para fragmentar mais esse assunto.
Grande abraço à todos.
Florianópolis, 16 de novembro de
2020. Paulo Coelho
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