ARCA AÇORIANA
Dia 17 de março de 2021, terminei
a leitura do meu 7º livro do ano, de Almiro Caldeira de Andrade
ARCA AÇORIANA / Almiro Caldeira de Andrade.
Florianópolis: Ed. da UFSC, 1984. p. 154
Este livro é um romance de ficção
que faz parte de uma trilogia chamada ROCAMARANHA (não tive acesso aos dois
anteriores), que além de narrar a saga da travessia do Atlântico pelos imigrantes
açorianos, é ambientado em Desterro atual Florianópolis capital do Estado de
Santa Catarina no ano de 1777, quando a ainda provinciana cidade de Desterro
foi invadida e ocupada pelos espanhóis por cerca de um ano.
O início da história se dá em um
momento que uma avó, conta para sua neta sobre uns segredos guardados por
gerações em uma Arca da sua bisavó onde tinham objetos e documentos que por
muito tempo pertenceram a família e eram desconhecidos de muita gente.
Por tratar se de um romance,
mesmo sendo ambientado em local e tempo histórico adequado, ou seja, a Ilha de
Santa Catarina ou Desterro da época é o local em destaque. Se pode notar toda uma
licença poética do escritor tanto nos modos de vida e convívio bem como o jeito
que os sentimentos e amores são relatados, o que vem a ser um pouco diferente
da forma que vemos os descendentes de açorianos que hoje temos contato, bem
como o que ouvimos sobre seus ancestrais.
Normalmente o perfil do açoriano
em seu seio doméstico nos é apresentado como uma pessoa, mais introspectiva e
recatada principalmente em relação à estranhos e isso muda tudo quando os personagens
com seus dramas, sonhos e intrigas são apresentados.
Na Desterro de 1777 o modo de
vida mesmo com a vinda dos primeiros colonos vindo do Arquipélago dos Açores a
partir de 1748 por projeto de emigração da Coroa Portuguesa, ainda é
completamente típico de vila praticamente esquecida onde a simples mudança de
um bairro para outro, era normalmente tratada como viagem, devido a
precariedade de suas estradas, tendo em vista que boa parte do transporte ainda
se fazia por via marítima através de canoas. O que não a impedia de ter a sua
importância.
A Ilha de Santa Catarina ou Desterro, por ser o melhor e o
último porto onde os navios que seguiam para a região do Rio da Prata, sempre
foi um local de parada para reabastecimento com água fresca, e carne das mais
diversas, farinha, aguardente, madeiras em forma de lenha principalmente. E com
isso utilizada como projeto de livrar parte da população das Ilhas dos Açores
em Portugal da fome em um processo de colonização.
Neste período a posse da terra
aos colonos, ainda era uma concessão do reino aos que para cá se deslocaram,
por titularidades chamadas de Sesmarias, ou seja, uma quantidade de terra que
delimitava todo o espaço que cada família ou grupo familiar poderiam ocupar de
forma legal devendo lealdade a Coroa Portuguesa.
Tal como hoje ainda é comum
várias pessoas da mesma família se instalarem dentro desse mesmo lote de terra
e construírem casas e plantarem suas roças onde começavam a produzir para sí,
conforme a condição civil ia mudando (casamentos) e a família aumentando.
O autor faz uma referência bem
humorada de como a Imagem de Nosso Senhor Jesus dos Passos acabou por
permanecer em Desterro tendo em vista que o destino final da Imagem seria Porto
Alegre, ou São Pedro do Rio Grande como assim era conhecida a capital da
província ao sul de Santa Catarina.
Informa que um grupo de
marinheiros chamou um padre para “benzer” o barco que conduzia a imagem já que
depois de três tentativas de levantar velas, o mar ficava revolto não dando
condições de seguir viagem isso tudo sempre com escárnio do próprio Capitão do
barco. Após acertar o valor da indenização sobre o valor da imagem o santo
ficou aqui e o barco seguiu.
Voltando a conversa inicial da
avó com a neta, é informado que a bisavó se apaixonou por um rapaz local e que
por uma desavença dos dois em relação a um oficial espanhol que este acreditava
que ela teve algo com o dito oficial fazendo com que passassem um bom tempo
distanciados um do outro. Fato esse somente resolvido quando da morte desse
oficial em uma disputa com um outro pretendente da moça. Logo depois retomam suas vidas na família
inclusive construindo casa e plantando junto das terras, que por doação real a
eles pertenciam, e não sendo entregues aos oficiais espanhóis por resistência a
durante a ocupação da Ilha no ano de 1777 inclusive correndo o risco de
confiscos das mesmas e morte por traição ao reino de Espanha.
Algumas escaramuças entre os
invasores, e alguns insurgentes locais ocorrem o que deixa as famílias dos
envolvidos em estado de alerta constante com medo de perderem suas terras sob
forma de confisco pelos representantes dos Reino da Espanha.
Muito bem representado toda a
estrutura administrativa, social, de trabalho e também a indignação dos que não
concordavam em prestar vassalagem (mesmo correndo o risco de perderem suas
terras) ao reino da Espanha, na Desterro ocupada de 1777 o que durou
aproximadamente um ano, quando os dois reinos então fizeram acordo sobre as
demarcações e limites a serem explorados por cada uma das coroas em sua zona de
influência.
O livro termina com uma conversa
de uma descendente muito distante dos personagens que foram o centro de toda a
obra sendo apresentados a uns documentos e objetos que por muitas gerações
ficaram esquecidos em uma arca que data do tempo da vinda dos primeiros
imigrantes açorianos que em Desterro chegaram.
Por ser um romance ficcional,
mesmo trazendo a luz fatos, nomes e personalidades eu preferi fazer esse
comentário não levando em conta todos os documentos históricos que são de
conhecimento sobre a falha nas defesas da Ilha de Santa Catarina o que veio a
permitir a sua invasão, a partir, de Canasvieiras pelos espanhóis.
Mesmo sendo uma obra de ficção,
achei a ambientação territorial, e das pessoas bem como seus costumes, crenças,
trajes, e animais domésticos bem adequados para contar uma história diferente
sobre Desterro.
Grande abraços à todos.
Paulo Coelho –
Administrador/Bacharel e Licenciado em História.
Florianópolis – SC 27/03/2021.
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