29 de março de 2021

 



ARCA AÇORIANA

Dia 17 de março de 2021, terminei a leitura do meu 7º livro do ano, de Almiro Caldeira de Andrade

 ARCA AÇORIANA / Almiro Caldeira de Andrade. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1984. p. 154

Este livro é um romance de ficção que faz parte de uma trilogia chamada ROCAMARANHA (não tive acesso aos dois anteriores), que além de narrar a saga da travessia do Atlântico pelos imigrantes açorianos, é ambientado em Desterro atual Florianópolis capital do Estado de Santa Catarina no ano de 1777, quando a ainda provinciana cidade de Desterro foi invadida e ocupada pelos espanhóis por cerca de um ano.

O início da história se dá em um momento que uma avó, conta para sua neta sobre uns segredos guardados por gerações em uma Arca da sua bisavó onde tinham objetos e documentos que por muito tempo pertenceram a família e eram desconhecidos de muita gente.

Por tratar se de um romance, mesmo sendo ambientado em local e tempo histórico adequado, ou seja, a Ilha de Santa Catarina ou Desterro da época é o local em destaque. Se pode notar toda uma licença poética do escritor tanto nos modos de vida e convívio bem como o jeito que os sentimentos e amores são relatados, o que vem a ser um pouco diferente da forma que vemos os descendentes de açorianos que hoje temos contato, bem como o que ouvimos sobre seus ancestrais.

Normalmente o perfil do açoriano em seu seio doméstico nos é apresentado como uma pessoa, mais introspectiva e recatada principalmente em relação à estranhos e isso muda tudo quando os personagens com seus dramas, sonhos e intrigas são apresentados.

Na Desterro de 1777 o modo de vida mesmo com a vinda dos primeiros colonos vindo do Arquipélago dos Açores a partir de 1748 por projeto de emigração da Coroa Portuguesa, ainda é completamente típico de vila praticamente esquecida onde a simples mudança de um bairro para outro, era normalmente tratada como viagem, devido a precariedade de suas estradas, tendo em vista que boa parte do transporte ainda se fazia por via marítima através de canoas. O que não a impedia de ter a sua importância.

A Ilha de Santa Catarina ou Desterro, por ser o melhor e o último porto onde os navios que seguiam para a região do Rio da Prata, sempre foi um local de parada para reabastecimento com água fresca, e carne das mais diversas, farinha, aguardente, madeiras em forma de lenha principalmente. E com isso utilizada como projeto de livrar parte da população das Ilhas dos Açores em Portugal da fome em um processo de colonização.

Neste período a posse da terra aos colonos, ainda era uma concessão do reino aos que para cá se deslocaram, por titularidades chamadas de Sesmarias, ou seja, uma quantidade de terra que delimitava todo o espaço que cada família ou grupo familiar poderiam ocupar de forma legal devendo lealdade a Coroa Portuguesa.

Tal como hoje ainda é comum várias pessoas da mesma família se instalarem dentro desse mesmo lote de terra e construírem casas e plantarem suas roças onde começavam a produzir para sí, conforme a condição civil ia mudando (casamentos) e a família aumentando.

O autor faz uma referência bem humorada de como a Imagem de Nosso Senhor Jesus dos Passos acabou por permanecer em Desterro tendo em vista que o destino final da Imagem seria Porto Alegre, ou São Pedro do Rio Grande como assim era conhecida a capital da província ao sul de Santa Catarina.

Informa que um grupo de marinheiros chamou um padre para “benzer” o barco que conduzia a imagem já que depois de três tentativas de levantar velas, o mar ficava revolto não dando condições de seguir viagem isso tudo sempre com escárnio do próprio Capitão do barco. Após acertar o valor da indenização sobre o valor da imagem o santo ficou aqui e o barco seguiu.

Voltando a conversa inicial da avó com a neta, é informado que a bisavó se apaixonou por um rapaz local e que por uma desavença dos dois em relação a um oficial espanhol que este acreditava que ela teve algo com o dito oficial fazendo com que passassem um bom tempo distanciados um do outro. Fato esse somente resolvido quando da morte desse oficial em uma disputa com um outro pretendente da moça.  Logo depois retomam suas vidas na família inclusive construindo casa e plantando junto das terras, que por doação real a eles pertenciam, e não sendo entregues aos oficiais espanhóis por resistência a durante a ocupação da Ilha no ano de 1777 inclusive correndo o risco de confiscos das mesmas e morte por traição ao reino de Espanha.

Algumas escaramuças entre os invasores, e alguns insurgentes locais ocorrem o que deixa as famílias dos envolvidos em estado de alerta constante com medo de perderem suas terras sob forma de confisco pelos representantes dos Reino da Espanha.

Muito bem representado toda a estrutura administrativa, social, de trabalho e também a indignação dos que não concordavam em prestar vassalagem (mesmo correndo o risco de perderem suas terras) ao reino da Espanha, na Desterro ocupada de 1777 o que durou aproximadamente um ano, quando os dois reinos então fizeram acordo sobre as demarcações e limites a serem explorados por cada uma das coroas em sua zona de influência.

O livro termina com uma conversa de uma descendente muito distante dos personagens que foram o centro de toda a obra sendo apresentados a uns documentos e objetos que por muitas gerações ficaram esquecidos em uma arca que data do tempo da vinda dos primeiros imigrantes açorianos que em Desterro chegaram.

Por ser um romance ficcional, mesmo trazendo a luz fatos, nomes e personalidades eu preferi fazer esse comentário não levando em conta todos os documentos históricos que são de conhecimento sobre a falha nas defesas da Ilha de Santa Catarina o que veio a permitir a sua invasão, a partir, de Canasvieiras pelos espanhóis.

Mesmo sendo uma obra de ficção, achei a ambientação territorial, e das pessoas bem como seus costumes, crenças, trajes, e animais domésticos bem adequados para contar uma história diferente sobre Desterro.

 Grande abraços à todos.

 

Paulo Coelho – Administrador/Bacharel e Licenciado em História.

 Florianópolis – SC     27/03/2021.





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